Ecologia Vegetal em Campos Rupestres da Chapada Diamantina, Bahia
Chapada Diamantina
Situada no centro da Bahia, a Chapada Diamantina apresenta vários tipos de ecossistemas, resultando em um conjunto muito rico em espécies. Marcantes variações de substratos, relevos e climas condicionam tipos distintos de vegetação como florestas, caatingas (
Introdução e
Capítulo 6), cerrados e campos rupestres. A composição das espécies e a estrutura em cada um desses tipos de vegetação também variam, sendo visualmente perceptíveis em situações extremas, como entre um campo aberto e uma vegetação arbustiva densa, ou entre uma Floresta Estacional Semidecidual (mata de planalto) e uma Floresta Ombrófila Densa Montana (mata nebular). Nos campos rupestres, porém, as variações fisionômicas não são tão claras, com alterações sutis nos padrões de composição e na estrutura da vegetação.
Os Campos Rupestres e a Importância da Escala
O campo rupestre é a vegetação predominante nas porções mais altas das serras, principalmente nas da Cadeia do Espinhaço, em Minas Gerais e na Bahia, onde há grande proporção de substratos rochosos de quartzito-arenito e solos arenosos, originando uma paisagem uniforme à distância, formada por campos extensos e porções de rocha com pequenas ilhas de vegetação. Sua vegetação é composta principalmente por ervas e arbustos, com árvores geralmente restritas aos locais onde o solo é mais profundo e a ação dessecante do clima é menor.
Não existe um conceito preciso para a vegetação de campo rupestre. Em geral, suas definições utilizam aspectos florísticos, fisionômicos e geográficos, como nos relatos das escaladas de Luetzelburg

rumo aos cumes da serra das Almas, do Itubira e dos Três Morros, todos na Chapada Diamantina, nos quais ele descreveu mudanças graduais na paisagem conforme a elevação da altitude. Ele caracterizou a flora dos topos da Serra das Almas como: ‘
vegetação escassa, composta de Vellozias, Ericaceas, Compositas, Vochysiaceas e arbustos de folhagem dura’; e a do Itubira como: ‘
A flóra no cume se compõe de Melastomataceas arbustivas, Eriocaulaceas espraiadas, Ericaceas rasteiras e Compositas felpudas lanigeras’. Estudos mais recentes, tanto fitogeográficos como ecológicos, têm demonstrado a unidade florística do campo rupestre, onde há dominância de famílias características, como Asteraceae, Bromeliaceae, Cyperaceae, Eriocaulaceae, Leguminosae, Melastomataceae, Orchidaceae, Poaceae e Velloziaceae

e um número elevado de espécies endêmicas.
Apesar dessa unidade florística generalizada, o campo rupestre apresenta elevada heterogeneidade espacial em uma análise localizada, incluindo habitats diferentes e muito próximos entre si, separados por poucos centímetros a metros de distância, ocasionando uma elevadíssima diversidade

. Apesar desta heterogeneidade, locais distintos possuem variações ambientais similares que condicionam uma fisionomia homogênea, indicando a grande importância da escala para a análise e interpretação dos padrões da vegetação.
Habitats
Nos topos das serras, há grandes extensões de rocha exposta caracterizando o habitat
afloramento, ocupado por espécies típicas, geralmente das famílias Amaryllidaceae, Bromeliaceae, Clusiaceae, Cyperaceae, Orchidaceae e Velloziaceae, capazes de sobreviverem a restrições hídricas, grandes oscilações diárias de temperatura, alta insolação, ventos fortes e em solos rasos. Nesse habitat rochoso, são encontradas algumas das características mais marcantes das plantas de campos rupestres, como sistemas radiculares eficientes para fixação da planta (Orchidaceae, Bromeliaceae), mesmo que sobre a rocha e sob ação de ventos fortes; crescimento aéreo reduzido, com a maioria das espécies até 1 m de altura; folhas pequenas e densamente arranjadas (espécies de
Lychnophora e
Cuphea), de maneira a diminuir a superfície de incidência luminosa e de evaporação; tolerância à dessecação (espécies de
Vellozia,
Barbacenia e
Trilepis lhotzkiana), viabilizando a ocupação de locais sob baixíssima disponibilidade hídrica; mecanismo fotossintético tipo CAM (espécies de
Clusia, Orchidaceae, Bromeliaceae e Cactaceae), possibilitando acumulação de CO2 nas folhas espessas durante a noite, o que diminui a perda de água durante as trocas gasosas; sistemas subterrâneos que possibilitam a persistência das espécies após fogo ou seca intensa (espécies de
Hippeastrum e
Mandevilla); e rosetas que acumulam água entre as folhas (tipicamente nas Bromeliaceae).
Circundando essas áreas de rocha exposta há o habitat
entremeio, caracterizado pela vegetação mais contínua, dominada por espécies de Cyperaceae e Poaceae sobre solos arenosos, além de outras famílias como Asteraceae, Leguminosae, Melastomataceae e Verbenaceae.
Valas e
blocos de rochas variáveis em tamanho condicionam habitats diferenciados, ocupados por espécies com maiores exigências nutricionais e menos tolerantes às exposições ao sol e ao vento. Tais locais são ocupados por espécies de Pteridophyta e eudicotiledôneas das famílias Aquifoliaceae, Asteraceae, Begoniaceae, Euphorbiaceae, Gesneriaceae, Labiatae, Melastomataceae, Myrtaceae, Piperaceae, Verbenaceae

, entre outras.
Nas baixadas planas, entre as elevações de rochas nos topos das serras, há uma vegetação de campo extenso, denominada localmente de
gerais, composta por muitas Cyperaceae, Eriocaulaceae, Poaceae, Xyridaceae e Gentianaceae. Esses gerais possuem solos profundos e periodicamente encharcados, propiciando condições para maior concentração de pequenos invertebrados, fonte de nutrientes para espécies carnívoras de Lentibulariaceae.
Apesar das famílias predominantes em cada habitat de serras distintas serem geralmente as mesmas, muitas espécies são distintas e endêmicas da Chapada Diamantina, demonstrando um aspecto bastante notável dos campos rupestres relacionado à sua elevada diversidade. O fato da maioria das espécies apresentarem freqüências muito baixas, sendo algumas delas restritas a um determinado tipo de habitat, denunciam a vulnerabilidade dessa vegetação, que abriga muitas espécies ainda não descritas. Devido às inter-relações dos meios físico, químico e biológico, alterações em um ou mais desses elementos acarretam mudanças dos processos dinâmicos envolvidos na manutenção da diversidade biológica, podendo reduzir ou extinguir populações cujo potencial econômico ainda é desconhecido.
Dinâmica da Vegetação
Fenologia e síndromes de polinização e dispersão
Ilhas de vegetação sobre afloramentos rochosos em topos de morro são integrantes do habitat
afloramento. Um acompanhamento de dois anos em 58 ilhas (observações mensais

) verificou a maior importância de vetores bióticos para polinização (predominância de entomofilia e ornitofilia) do que para dispersão (predominância de anemocoria e autocoria). A análise da fenologia sugere que a polinização relacionada aos agentes bióticos apresente padrão contínuo e a intermediada pelo vento anual. No caso da dispersão, frutos relacionados aos agentes abióticos foram contínuos, enquanto os zoocóricos foram anuais. Tais características revelaram que, temporalmente, a polinização é mais dependente dos animais e das chuvas, enquanto a dispersão abiótica é mais independente, possibilitando a dispersão dos propágulos mesmo em períodos de seca. Variados períodos de floração e de frutificação oferecem contínuo suprimento de recursos à fauna e mostraram que a quantidade de chuvas interfere na produção de flores e frutos, sendo as estações úmidas mais favoráveis à reprodução das plantas polinizadas e dispersas por animais.
Sucessão
Os padrões espaciais detectados em estudos da vegetação nos campos rupestres da Chapada Diamantina

somados ao acompanhamento fenológico de ilhas de vegetação sobre rocha em topos de morros serviram de base para inferência de como seriam as mudanças espaciais ao longo do tempo. Desta forma, elaborou-se um modelo de sucessão da vegetação na rocha4, onde organismos mais adaptados ao ambiente extremo colonizam a rocha exposta e são gradualmente substituídos por espécies menos tolerantes àquelas condições extremas. A tendência da sucessão é diminuir o grau de isolamento da vegetação, que passaria a ser mais contínua, até a atuação das perturbações responsáveis pela diminuição da vegetação, como secas intensas, queimadas e enxurradas, além da própria morte de indivíduos por velhice e doenças.
Carência de Conhecimento
Os maiores esforços na busca do conhecimento da vegetação dos campos rupestres concentraram-se em levantamentos florísticos detalhados, como os realizados no Pico das Almas

, Catolés

, Morro do Pai Inácio e Serra dos Brejões (‘Chapadinha’)

. O grande número de espécies por local e as variações das composições entre locais sugerem que as várias serras ainda inexploradas representam fontes pontenciais de descobertas para a sistemática vegetal. Porém, uma lacuna ainda maior do que a do conhecimento florístico é relacionada aos aspectos estruturais e dinâmicos dessa vegetação.
Os campos rupestres compõem um ambiente peculiar, com muitas espécies endêmicas da Chapada Diamantina distribuídas em uma grande diversidade de habitats. Estão dispostos em um conjunto de serras com características próprias, constituindo um mosaico com picos isolados em diferentes graus. Dessa maneira, eles podem ser analisados de modo análogo a um arquipélago, onde as interações dos processos ecológicos são multifatoriais e específicas para cada região. Conhecer seus padrões espaciais e temporais é essencial para o melhor manejo dessa vegetação e possibilitará testar uma série de hipóteses ecológicas neste ‘laboratório natural’.
As principais perturbações na vegetação de campo rupestre são as queimadas e secas intensas. Portanto, são necessários estudos contínuos da vegetação, incluindo o monitoramento continuado das espécies e da estrutura da vegetação, bem como dos fatores abióticos mais relevantes para a compreensão dos padrões biológicos dessas comunidades, como temperatura, umidade, vento e insolação.

Luetzelburg, P. 1922.
Estudo Botânico do Nordeste.
Inspetoria federal de obras contra as secas57: 1-108.

NE – Muitas dessas espécies são freqüentemente conhecidas por seus representantes mais ilustres, como o girassol (Asteraceae), as bromélias (Bromeliaceae), as tiriricas (Cyperaceae), as sempre-vivas (Eriocaulaceae), os legumes (Leguminosae), as orquídeas (Orchidaceae) e as gramíneas (Poaceae)

Conceição, A.A. & A.M. Giulietti. 2002. Composição florística e aspectos estruturais de campo rupestre em dois platôs do Morro do Pai Inácio, Chapada Diamantina, Bahia, Brasil.
Hoehnea 29: 37-48.

Conceição, A.A. 2003.
Ecologia da Vegetação em Afloramentos Rochosos na Chapada Diamantina, Bahia, Brasil. Tese de Doutorado, Universidade de São Paulo, São Paulo.

Conceição, A.A. & J.R. Pirani. 2005. Delimitação de habitats em campos rupestres na Chapada Diamantina, Bahia: substratos, composição florística e aspectos estruturais.
Boletim de Botânica da Universidade de São Paulo 23: 85-111.

NE – Exemplos de representantes dessas famílias são o mate (Aquifoliaceae), as begônias (Begoniaceae), a mandioca (Euphorbiaceae), as violetas africanas (Gesneriaceae), o hortelã (Labiatae), a goiaba (Myrtaceae) e a pimenta-do-reino (Piperaceae).

Stannard, B.L. (ed.). 1995.
Flora of the Pico das Almas Chapada Diamantina, Bahia, Brazil. Royal Botanic Gardens, Kew.

Zappi, D.C.
et al. 2003. Lista das plantas vasculares de Catolés, Chapada Diamantina, Bahia, Brasil.
Boletim de Botânica da Universidade de São Paulo 21: 345-398.

Guedes, M.L. & M.D.R. Orge. 1998.
Check-list das Espécies Vasculares de Morro do Pai Inácio (Palmeiras) e Serra da Chapadinha (Lençóis), Chapada Diamantina, Bahia, Brasil. Universidade Federal da Bahia, Salvador.